Mineiros do Chile saem fortalecidos ou vulneráveis, mas nada será como antes
SANTIAGO — Os 33 mineiros que por 69 dias permaneceram presos debaixo da terra no Chile enfrentarão agora uma realidade totalmente diferente da que deixaram no dia 5 de agosto, quando ocorreu o acidente que mudaria suas vidas.
O prolongado isolamento, marcado pela incerteza dos primeiros 17 dias, quando não se sabia se estavam vivos ou mortos, certamente marcará um antes e um depois na vida dos mineiros, segundo os psicólogos.
"A vida dos mineiros, como era antes, já desapareceu", afirma Enrique Chía, psicólogo da Universidade Católica do Chile, indicando que os mineiros precisarão se readaptar depois deste processo traumático.
"Quando todas as suas condições de vida mudam abruptamente, você precisa se readaptar e descobrir habilidades que te ajudem" a enfrentar esta etapa, "cheia de riscos", explicou.
"Uma pessoa que passou por uma situação de quase morte refletiu sobre sua situação pessoal". Neste caso, os mineiros "pensam o que fizeram em suas vidas, e o que não fizeram, e para isso também é interessante acompanhá-los" psicologicamente, argumentou Margarita Loubat, psicóloga da Universidade de Santiago do Chile.
O resgate dos mineiros começou pouco antes da meia-noite de terça-feira, e espera-se que seja concluído, no mais tardar, na quinta.
O governo se comprometeu a não abandonar o grupo de mineiros, hoje transformados em heróis nacionais, oferecendo "apoio psicológico profissional mínimo de seis meses, durante os quais podem ter momentos de tristeza e depressão", relatou o ministro da Saúde, Jaime Mañalich.
"A família terá mudado, assim como seu trabalho e também a realidade nacional", disse Chía. "Vão ter muita atenção da mídia, mas a opinião pública é exigente e gosta que suas figuras se comportem de uma determinada maneira", estimou o psicólogo, para quem esta parte "será a mais complicada".
Roberto Canessa é um dos 16 sobreviventes do célebre acidente de avião nos Andes, em 1972, que inspirou o filme "Vivos". Para ele, a sociedade transforma os protagonistas em heróis.
Por isso, o processo de volta à realidade após uma experiência como esta "é tão potente que deforma toda experiência humana, e de alguma maneira você começa a aceitar o que estão falando sobre você", indicou.
Os especialistas da agência espacial americana Nasa que visitaram a mina em setembro advertiram que os mineiros "terão um alto nível de fama em seu país, e sofrerão grande pressão da mídia e da sociedade", disse Michael Duncan, chefe da missão.
"A mídia vai esgotá-los. Muitos deles serão bombardeados com ofertas na televisão, podem até fazer carreira. Mas isso vai durar, se muito, um mês; em março será apenas uma lembrança", calculou René Ríos, sociólogo da Universidade Católica.
Em entrevista à revista Qué Pasa, o médico Jorge Díaz advertiu que "o mundo deles não é o das câmeras, microfones e da televisão".
"Quando saírem andando na rua, serão abordados pelo público (...). Isso é uma agressão psicológica muito mais grave do que a que sofreram até este minuto", ressaltou.
"Eles vão ter que se dar conta de que a fama é limitada e que é preciso capitalizar isto, e começar um novo projeto de vida", comentou Chía. Depois de uma experiência como esta, "você pode se fortalecer ou enfraquecer, mas jamais será igual".
"Se o resultado for positivo, tudo será um sucesso. Mas também podem haver situações de vulenrabilidade, de aproveitamento, problemas nas relações ou um aumento no consumo de medicamentos e álcool", afirmou o especialista.
De Roser Toll (AFP).
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